A guerra entre o Primeiro
Comando da Capital (PCC) e o Sindicato do Crime RN, na Penitenciária Estadual
de Alcaçuz, em Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte, extrapolou os muros e
afetou os que estão do lado de fora da unidade à espera do fim do conflito que
já dura oito dias. As famílias dos detentos se dividem na porta da unidade,
trocam acusações e até agressões. Mulheres e crianças lidam com condições
insalubres no exterior do presídio, mas não tiram os pés da areia no local.
Na entrada da penitenciária,
ripas de madeira e telhados se equilibram junto com pedaços de alvenaria sem
reboco, no local onde as mulheres de detentos que fazem parte do sindicato se
reúnem noite e dia, desde o massacre que deixou 26 mortos no Alcaçuz. A estrutura
é usada normalmente em dias de visita. Uma pia serve de cozinha para o grupo, e
um menino de pouca idade dorme, nu, em cima do balcão.
Ao lado dessa proteção, que é
praticamente a única, em um colchão, colocado à sombra de uma árvore rasteira,
uma das mulheres descansa, enquanto aguarda novidades. No bar, ao lado do
presídio, outros colchonetes se espalham pelo chão, cortesia da dona, que
permite o descanso das famílias até fechar o estabelecimento. Quando o bar é
fechado, as mulheres se transferem para a calçada e dormem ali mesmo.
Uma casa em frente também é
usada como apoio para o grupo. “Não queremos sair daqui, temos medo que
aconteça alguma coisa com eles. Deixei meus filhos menores com minha mãe e
estou aqui desde domingo. Sou manicure, mas nem isso estou fazendo”, conta
Maria* - nome fictício a pedido para presevar a identidade das mulheres.
Já nos fundos do presídio, uma
estrutura parecida – com um pouco mais de espaço e partes de alvenaria – abriga
mulheres de detentos do PCC. Mais desconfiadas, las não aceitam gravar
entrevistas ou tirar fotos, mesmo de costas. A superexposição que tiveram na
mídia deixaram medo e consequências. “Meus patrões disseram que não querem mais
ver a minha cara. Você faria o quê, se a sua empregada aparecesse na televisão
falando que o marido é do PCC?”, afirma a mulher de um dos detentos.
O medo também é de
retaliações. As famílias, dos dois lados, trocam acusações de agressão. Do lado
do PCC, as mulheres reclamam que as outras foram até o local com uma enxada e
ameaçaram um espancamento. “Até a voz eu não quero gravar porque podem
reconhecer. Depois que foram até a casa de uma de nós, para matar , a gente
está com muito medo”, destacou Carla*. Já as esposas de membros do sindicato as
acusam de receber provocações constantes e admitem ter estapeado e roubado a
"feira" de uma das moças do grupo rival.
As famílias defendem as
facções. Entre os familiares e os presos, a comunicação é constante, por
celular. Cada grupo defende que o outro deu início à confusão que se transformou
em um conflito sangrento e prolongado. Não enxergam saída para a guerra nem do
lado de fora. “Meu marido está baleado aí dentro e se recusou a ir para o
hospital, porque lá tem muitos do sindicato”, diz Sheila*. Os dois lados
criticam o que seria a falta de um código de honra do rival.
“No PCC tem só estupradores. O
sindicato não aceita isso, não aceita roubar ônibus, escola. Vai roubar o povo
que não tem nada? É só tráfico”, disse Maria*, mulher de um detento do
sindicato.
"O sindicato não tem respeito
pelas mulheres, pelos filhos, e não separam as coisas. Querem matar todo
mundo”, afirmou Teresa*, esposa de um preso do PCC. Na percepção de mulheres de
detentos do sindicato, o PCC recebe tratamento privilegiado. Ontem (20), as que
pertencem ao grupo do sindicato não conseguiram entregar alimentos para os
detentos. Já as mulheres dos detentos do PCC confirmaram que conseguiram
repassar arroz, feijão e cuscuz.
Em resposta ao questionamento
do favorecimento do PCC na entrada de alimentos na unidade, a assessoria de
comunicação da Secretaria de Justiça e Cidadania do Rio Grande do Norte afirmou
que os presos estão sendo alimentados com três refeições diárias e que as
feiras de familiares estão suspensas em ambos os lados.
A realidade precária, a falta
de alimentos e condições de higiene – não há banheiros disponíveis –, é comum a
todas as famílias. O sofrimento também. Enquanto as esposas do PCC se queixam
da falta de segurança e de alimentos, uma menina brinca, de calcinha, nas
areias da frente do presídio de Alcaçuz, com brinquedos de praia. A mãe a levou
porque não tinha com quem deixar. A criança parecia alheia às conversas sobre
os acontecimentos e a briga entre famílias. Mas, segundo a mãe, é só aparência.
“Ela pergunta pra mim: 'isso é guerra, mãe? Por que ficam batendo, matando? Eu
quero meu pai'”. Agência Brasil
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